Sabe quando, distraidamente, batemos o dedinho do pé no canto da cama? Ai! E quando estamos cozinhando e, acidentalmente, cortamos o dedo? Ui! Ou quando estamos brincando com o cachorro ou com o gatinho e acontece aquele arranhão inocente? Até aí (quase) tudo bem, né? Hematomas locais que tendem a desaparecer em pouco tempo. Mas e quando, os “hematomas” são mais profundos, resultados de uma queda mais intensa, um acidente de carro ou algo do tipo? Nesses casos, os machucados (ou feridas) podem levar de semanas a meses para melhorar e precisar, inclusive, de procedimentos mais específicos para auxiliar esse processo de cicatrização.
Se pararmos para pensar, perceberemos que existe um processo que envolve o cuidado com todas essas feridas, principalmente as mais profundas. Embora o objetivo deste cuidado seja o mesmo em ambas as feridas – a cicatrização –, existem boas diferenças a depender do local, da extensão, da intensidade e (tão importante quanto) da impotência despertada por meio desta ferida, da interferência em nossas atividades rotineiras e de como isso afeta nossa independência (entre muitas, muitas, muitas outras coisas).
Tem feridas que são quase imperceptíveis, doem muito no momento que ocorreram, mas rapidamente desaparecem, até sem nenhum cuidado específico. Existem aqueles arranhados que mesmo pequeninos, ardem (inclusive quando passávamos Merthiolate – sim, sou do tempo que ainda ardia, rs). Também existem aqueles cortinhos feitos pela folha de papel sulfite, sabe? Que atrapalham as atividades mais simples do nosso dia-a-dia (afinal, tudo resolve conspirar contra e encostar exatamente no tal corte!). Por fim e, talvez ainda mais importante, existem as feridas maiores, resultado de “quedas” mais intensas, que precisam de pontos, de debridamentos, que trazem muita dor e sofrimento e que parece que nunca vão cicatrizar, chegam a tirar o nosso sono e nos desestabilizar. Estas feridas não cicatrizam da noite para o dia, exige paciência (e até respeito pelo processo) e cuidados específicos para cada “etapa” da cicatrização (se com uma ferida pequena, quando propositalmente tiramos a “casquinha”, ela volta a sangrar, quem dirá o que ocorre em uma dessas grandes feridas, não é mesmo?).
Agora você deve estar se perguntando o porquê de eu estar falando sobre feridas no corpo se nem sou da área médica ou da enfermagem… Bom, eu queria que você pudesse visualizar (quase sentir mesmo) o quão importante é cuidar disso tudo, pois, para além das feridas físicas, existe aquilo que chamo de “feridas emocionais” e elas funcionam exatamente como as físicas: se não cuidar, não cicatriza. A verdade é que, a depender da “extensão” da ferida emocional, se não cuidada, ela tende a aumentar e piorar. Percebem como é exatamente igual às feridas físicas? Quando pequenas, tendem a cicatrizar sozinhas, quando intensas e profundas, exigem cuidados específicos, de profissionais qualificados, cuidados estes que podem causar certa dor, mas que certamente auxiliam no processo de cicatrização.
Sim, quando “cutucamos” uma ferida emocional, também podemos sentir dor, também revisitamos o momento em que aquela ferida foi feita e isso pode trazer sofrimento. Mas, novamente vou fazer a relação com a ferida física: lembra qual é o objetivo do debridamento? A grosso modo, é um método para retirar tecidos desvitalizados, necrosados, almejando a limpeza do local e proporcionando melhores condições para a cicatrização. Pois é, por muitas vezes, precisamos “limpar” os nossos sentimentos, proporcionando um espaço para (re)escrevermos nossas histórias…
E o que acontece quando conseguimos cicatrizar essas feridas? Bom, antes de mais nada, é essencial lembrar que a cicatrização faz parte deste desfecho, certamente, mas não o é de modo exclusivo. Aqui está uma diferença em relação às feridas físicas: quando cuidamos das feridas emocionais, tão imprescindível quanto “alcançar” a cicatriz, são os caminhos percorridos para essa cicatrização. Eles dizem muito sobre nós e sobre nossas histórias, possibilitando tanta ressignificação…
Já em relação à cicatriz propriamente dita, permaneceremos marcados por aquela experiência, mas ela praticamente não provocará mais dor. Eu digo “praticamente” porque sempre ouvi as pessoas dizerem que em grandes feridas físicas, quando há mudanças bruscas de temperatura (para o frio), elas sentem algum desconforto, mínimo que seja.
Assim também funciona para as feridas emocionais. Depois de cicatrizadas, elas podem também, vez ou outra, doer (em datas específicas, em momentos de tristeza, entre outros).
Agora uma coisa é certa, se não cuida, não cicatriza. Se cicatriza, lembramos, mas não domina mais a nossa vida.
Você reconhece as suas feridas emocionais? Vamos cuidar delas?